Sobre a autora:
Janaina Martins
28 Anos
Maracanaú - Ce
"Se algo mais forte que o amor faltava ser sentido; se algo maior que o desejo faltava ser inventado, espalhem: eu já transcendi tudo isso!"
Spanish Guitar
Era noite do dia 30 de outubro e a sensação de solidão só aumentava o frio que me congelada desde aquela desilusão.
Não dava mais para ficar em casa. Tudo me lembrava aquele amor que só me fizera mal: o sofá dos beijos quentes, as paredes dos desejos furtivos, a TV dos momentos de calmaria... Sim, eu realmente precisava sair dali.
As ruas da cidade não diminuíam minha angústia. Todas elas pareciam quadros pintados com nossas cores, nossas cenas, nossas vidas.
Um turbilhão de pensamentos volvia minha cabeça não deixando que eu me desligasse daquela realidade intransponível: ele já não estava mais comigo.
Caminhei a esmo pela Beira-Mar até a exaustão.
Não sei bem que horas eram.
Parei.
Sentei-me na areia a olhar o infinito.
O mar não parecia maior do que a minha dor. O movimento das ondas me fez relaxar e então ouvi um som. Na situação em que eu estava aquilo nem me pareceu real. Pensei estar surtando de vez. Mas o som continuava.
Alguém estava tocando violão.
Mais um pouco e consegui discernir: era a música Spanish Guitar. Aquele som foi me invadindo até tomar conta de mim.
Como numa espécie de transe, caminhei à procura da origem de tão linda melodia.
Quando dei por mim, já estava diante dele.
Lindo.
É a única palavra que disponho, contudo, ela não abrange toda a sua beleza. Uma beleza jamais idealizada. Até mesmo o ego de Narciso seria ferido diante daquela visão.
Paramos por um instante e o silêncio que pairou em nossos olhares foi eloqüente. Ele tocou na minha mão e eu pude perceber que algo muito especial iniciava ali. Algo que me marcaria para sempre. Algo que mudaria a minha vida.
Gabriel. Esse era o nome do anjo que mudaria minha vida, mas só fui saber disso no outro dia, quando novamente nos encontramos, dessa vez, sem nenhum acaso. Conversamos sobre tudo, até mesmo sobre os nossos traumas de infância. Parecíamos nos conhecer desde sempre. Parecia que ele conseguia ler meus pensamentos. Parecia que as palavras eram totalmente dispensáveis. Perdemos a noção do tempo, do comum, do permitido. Ríamos alto, nos abraçávamos e ríamos de novo.
De repente foi nosso desejo que falou. Um gosto cor-de-rosa se espalhou pelo ar. O mundo parou.
Como numa cena de filme, não vimos mais nada. Naquele momento o universo inteiro era só ele e eu.
Nossos olhos se invadiram, nossos braços se envolveram num laço infinito, nossas bocas se aproximaram e consegui tocar o céu a bordo daquele beijo avassalador. Aquele momento não fora apenas mágico, fora eterno. Doravante a solidão não encontraria mais lugar em minha vida, seríamos um tríplice cordão: ele, eu e a felicidade.
A sucessão de dias começou a ser totalmente prazerosa. Éramos devotados a fazer com que o outro fosse o mais feliz possível. Visitamos lugares, conhecemos pessoas, inventamos coisas. Assim transcorreu o primeiro mês.
Foi só no início de dezembro que conheci a família do meu amado. Todos me trataram tão bem quanto eu nunca poderia imaginar. Agradeciam-me pela vida que eu estava devolvendo a ele, mas na verdade, a dimensão destas palavras eu ainda estava por conhecer.
No dia 10 de dezembro estávamos em sua casa quando Gabriel começou a sentir-se mal. Ele tremia muito, sua pele logo mudou de cor, a voz não saía - tudo o que ele conseguia dizer era que “estava doendo”. Entrei em desespero. Senti-me impotente, incapaz. Seus pais quando viram o que estava acontecendo correram e disseram que o tinham que levar ao hospital. Eu quis ir junto, mas eles relutaram. Pediram que eu esperasse ali mesmo enquanto voltavam e que procurasse me acalmar. Insisti, não obtive resultado. Foi a primeira vez que chorei desde que o conheci. Como eu poderia ficar calma, sem saber o que ele tinha? Apenas obedeci a ordem de esperar.
Ao retornarem os seus pais, Gabriel não estava com eles. Corri até a porta e perguntei, exigi explicações, notícias dele, sei lá, qualquer coisa que me fizesse entender tudo aquilo. Foi o meu sogro que começou me pedindo desculpa. – Desculpa, por qual motivo? – perguntei. Ele continuou dizendo que não deveriam ter deixado aquilo ir tão longe, mas em todos os 26 anos de Gabriel, nunca o viram assim, tão cheio de vontade de viver, e até mesmo acreditaram que o amor pudesse salvá-lo do destino terrível diagnosticado há seis meses pelo médico.
A essa altura da conversa eu já não queria adivinhar o final, mas era realmente como eu previa. Ele continuou:
- Gabriel tem uma grave doença e está vivendo os seus últimos dias aqui conosco.
Eu não queria acreditar. As lágrimas se tornaram torrenciais. Abraçamos-nos os três e um calor envolveu nossos corações, como se fosse o próprio Deus quem estivesse tentando acalmar-nos.
Depois de alguns momentos, já recuperados, minha sogra falou-me do desejo de Gabriel de que eu me afastasse e o esquecesse. Ele sabia do meu indizível amor, tão recente, porém tão imensurável, e era exatamente por me amar da mesma forma que ele não poderia admitir meu sofrimento ao vê-lo partir.
– Desculpem-me, mas esse direito ele não tem. Não posso apenas dobrar meu sentimento e colocá-lo no bolso. Não posso ser egoísta e me recusar a estar com ele nos momentos em que ele mais precisa de mim.
– Essas foram minhas últimas palavras antes de novamente nos abraçarmos e chorarmos copiosamente.
Sem que Gabriel soubesse, decidimos preparar um réveillon na praia. Uma festa para celebrar o presente que Deus nos dera ao deixar que ele fizesse parte de nossa vida.
No outro dia Fomos buscá-lo no hospital. Ele já estava bem melhor e de início não foi concordou com a minha decisão de não deixá-lo, mas vi em seus olhos um brilho incandescente que denotava toda a felicidade que meu gesto trouxera e o júbilo que seu coração sentia por ter-me ao seu lado.
Resolvemos que eu passaria alguns dias em sua casa (mas no meu coração, eu já tinha a convicção de que ficaria com ele até o último dia). Fomos buscar minhas coisas e juntos vivemos a melhor noite de nossas vidas.
Ao chegar em seu quarto, que tantas vezes eu já tinha visto, novamente aquele gosto cor-de-rosa impregnou o ar. Olhamos-nos e nada foi preciso dizer. Suas mãos percorreram o meu corpo, minhas unhas arranharam sua nuca, sua boca me enchia de prazer. Nossos corpos se procuravam numa avidez louca. Não queríamos mais perder um segundo sequer. Seus dedos me despiam habilidosamente, tocando-me de um jeito exclusivo: como jamais alguém conseguiu, despertando toda a luxúria que o comanda prazer carnal e nos obriga a querer mais. E eu queria mais. E nós queríamos mais. Queríamos nos consumir. Queríamos nos perenizar no corpo do outro. Queríamos nos amar completamente! E assim foi.
Nos amamos de uma maneira louca, como se aquele momento fosse a primeira vez de cada um de nós ou como se uma outra vez jamais fosse existir. Nem medo, sem receio, sem pensar no amanhã. Apenas nos amamos. Extremamente.
Adormecemos e quando acordamos já era manhã.
Estávamos exaustos, mas plenamente satisfeitos. Rindo ao vento. Ninguém entendia exatamente porque, ao sentarmos à mesa para o café, nos olhávamos nada dizíamos e começávamos a sorrir. Parecíamos malucos, crianças, sei lá.
Depois daquela crise, resolvemos não mais falar no assunto. Algumas vezes eu o sentia estranho, mas não perguntava para não fazê-lo sofrer.
Chegou então o dia 31 de dezembro. Conseguimos fazer, às ocultas, todos os preparativos para a festa na praia. Quando chegou a noite, o caminho até chagarmos ao local combinado exalava um certo mistério. Quando chegamos, qual não foi a surpresa de Gabriel ao ver tudo o que foi armado!
Todas as reentrâncias daquele local lembravam-lhe momentos de sua vida, e todos os seus amigos, mesmo os de infância e os que estavam distantes, fizeram questão de estar presente. Foi lindo. Cada segundo daquela noite foi explorado ao máximo. Todos os momentos foram intensos. Tudo ao redor resplandecia alegria.
A queima de fogos que preparamos, embora humilde, foi muito bela e festiva. Cores riscavam o céu e faiscavam nos olhos de todos os que contemplavam.
A noite então acabou e mais uma vez selamos nosso amor em um momento de total entrega íntima. Nos amamos ao alvorecer do dia e dormimos abraçadinhos.
Quando despertei, olhei para o meu amado, com um rosto sereno, contente. Toquei-o, mas ele não despertou. Meu amor já não estava mais ali. Era apenas seu corpo sem vida que me enlaçava naquela hora.
O que nos consolou foi saber que pudemos transformar em únicas todas as suas horas finais. E mesmo naquele estado, meu amor segurava um sorriso que denunciava, ele estava feliz.
Hoje é dia 01 de fevereiro. Minha regra já está atrasada há mais de uma semana e resolvi procurar um médico. Não existem palavras suficientes pra expressar a minha felicidade ao ver naquela maquininha de ultra-som que o nosso amor realmente não acabou! Dentro de mim Gabriel ainda está vivo e cresce junto com esse filho que Deus nos concedeu!
Acredito agora que Deus não manda seus anjos a Terra em vão e que ele não retornam para Ele sem cumprir a sua missão. Não foi a toa que eterno amor se chamava Gabriel, ele foi um anjo que Deus enviou para transformar a minha vida e mesmo a mim em algo melhor. E agora Deus me dá outro anjo que mesmo antes de chegar já está fazendo retornar a alegria para os corações órfãos com a perda de seu pai. Então, como poderia se chamar essa criança? Talvez Luz, Alegria, Felicidade, Bênção, mas certamente resumirei todas as dádivas em uma só: Gabriel ou Gabriela.
Agora é noite e estou novamente na praia. Naquele lugar em que vim procurando um abismo e um anjo carregou-me em suas asas. No mesmo lugar onde a solidão me caminhou para a felicidade. Aqui, onde há poucos meses conheci o amor e a razão de viver. Para onde olho, parece que ainda o vejo e novamente aquele gosto cor-de-rosa me invade. Sei que ele está aqui, comigo e nosso filho, pois ainda posso ouvir o som de seu violão tocando Spanish Guitar.
quinta-feira, 22 de novembro de 2007
quarta-feira, 21 de novembro de 2007
Olavo Bilac-A velhice
21/11/07
Olha estas velhas árvores, mais belas Do que as árvores moças, mais amigas, Tanto mais belas quanto mais antigas, Vencedoras da idade e das procelas... O homem, a fera e o inseto, à sombra delas Vivem, livres da fome e de fadigas: E em seus galhos abrigam-se as cantigas E os amores das aves tagarelas. Não choremos, amigo, a mocidade! Envelheçamos rindo. Envelheçamos Como as árvores fortes envelhecem, Na glória de alegria e da bondade, Agasalhando os pássaros nos ramos, Dando sombra e consolo aos que padecem!
Olha estas velhas árvores, mais belas Do que as árvores moças, mais amigas, Tanto mais belas quanto mais antigas, Vencedoras da idade e das procelas... O homem, a fera e o inseto, à sombra delas Vivem, livres da fome e de fadigas: E em seus galhos abrigam-se as cantigas E os amores das aves tagarelas. Não choremos, amigo, a mocidade! Envelheçamos rindo. Envelheçamos Como as árvores fortes envelhecem, Na glória de alegria e da bondade, Agasalhando os pássaros nos ramos, Dando sombra e consolo aos que padecem!
quarta-feira, 7 de novembro de 2007
Paulo Roberto Gaefke-Viver amor...
"Todo amor é eterno. E se acaba, não era amor".Nelson Rodrigues - Dramaturgo
Prepare o seu coração para sofrer decepções,mas avise o cérebro que o amor não dói,deixe um aviso para a sua alma em letras grandes:"ser feliz é um exercício constante".O que hoje é desilusão, amanhã será ensinamento,atalhos que poderemos usar, até em meio a dor,
para superar crises, para viver um grande amor.
Não se deixe abater pela incompreensão,nem acredite na solidão como forma de vida,antes, divida o seu amor, reparte-o como pão,para famintos da caridade, carentes de afeto,
excluídos e atirados na solidão.Falo do amor solidário, que consola o aflito,que dá proteção ao segurar a mão,que aquece com um cobertor no inverno,e chama cada um que encontra de irmão.
Falo do amor que tudo dá, e nada espera em troca,
e quem aprende amar assim, saberá viver o amor.
Para viver um grande amor é preciso saber dividir,e preciso ter coragem de ceder, doar-se,sair do casulo da intolerância, do egoísmo,é viver um pouco além de nós mesmos,encontrando no outro, qualidades e virtudes,só ama de verdade quem admira a pessoa amada,e isso vai além de qualquer paixão,isso é verdadeiramente "início da felicidade",amor que se vive aqui,
mas com gosto de eternidade...
Prepare o seu coração para sofrer decepções,mas avise o cérebro que o amor não dói,deixe um aviso para a sua alma em letras grandes:"ser feliz é um exercício constante".O que hoje é desilusão, amanhã será ensinamento,atalhos que poderemos usar, até em meio a dor,
para superar crises, para viver um grande amor.
Não se deixe abater pela incompreensão,nem acredite na solidão como forma de vida,antes, divida o seu amor, reparte-o como pão,para famintos da caridade, carentes de afeto,
excluídos e atirados na solidão.Falo do amor solidário, que consola o aflito,que dá proteção ao segurar a mão,que aquece com um cobertor no inverno,e chama cada um que encontra de irmão.
Falo do amor que tudo dá, e nada espera em troca,
e quem aprende amar assim, saberá viver o amor.
Para viver um grande amor é preciso saber dividir,e preciso ter coragem de ceder, doar-se,sair do casulo da intolerância, do egoísmo,é viver um pouco além de nós mesmos,encontrando no outro, qualidades e virtudes,só ama de verdade quem admira a pessoa amada,e isso vai além de qualquer paixão,isso é verdadeiramente "início da felicidade",amor que se vive aqui,
mas com gosto de eternidade...
terça-feira, 6 de novembro de 2007
Manuel Bandeira-O Bicho
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
Roberto Shinyashiki -Aceite as limitações de seus filhos
Nós, pais, temos de aprender a aceitar nossos filhos e seus caminhos
Quando meu filho mais velho nasceu, era uma criança linda, meiga e doce. À medida que os dias foram passando, porém, notou-se que seu desenvolvimento não era igual ao das outras crianças, apesar de o médico me garantir o contrário.Um dia, recebi um telefonema avisando que o pediatra tinha solicitado uma avaliação neurológica do menino, porque havia sido constatado um atraso no seu desenvolvimento. O diagnóstico neurológico foi atraso médio neuropsicomuscular.Essa notícia me atingiu como um soco no peito e me chamou à realidade.Começou, então, a via-crúcis: fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, hidroterapia — era preciso recuperar o atraso no desenvolvimento.Ao mesmo tempo, ele foi submetido a uma série de consultas a diferentes especialistas na tentativa de diagnosticar a causa do problema. A princípio, as hipóteses eram muitas, tantas quantas os pais (eu e a mãe somos médicos) conseguiam formular. Embora fôssemos muito unidos, não conversávamos sobre nossas angústias. Penso que o fato de termos sido treinados para agüentar firme e lutar sempre para realizar nossos objetivos tenha feito com que, naquele momento, considerássemos secundários os nossos sentimentos.Teria sido muito melhor se tivéssemos compartilhado nossas angústias e medos, demonstrado quanto nos sentíamos frágeis e assustados, apesar de nossa capacidade de lutar com bravura.Infelizmente, os tratamentos não produziram os resultados desejados, e o sentimento de impotência foi tomando conta de nós. Por fim, uma tomografia fechou o diagnóstico: sua doença era causada por uma série de calcificações no cérebro, conseqüência de uma virose durante a gestação.Vários médicos nos disseram: “Infelizmente, ele não chegará até 1 ano de idade”. Até hoje não encontro palavras para descrever a dor que sentíamos naqueles primeiros meses cada vez que olhávamos nosso menino e pensávamos que em breve não o teríamos mais conosco.Não queríamos que ele morresse no prazo previsto pelos médicos. Redobramos, então, nossos esforços recorrendo a homeopatia, a massagens e a energização — tudo o que se possa imaginar. Ele foi ficando mais forte. Aos poucos aumentava a certeza de que ele iria viver pelo menos alguns anos a mais do que fora previsto.Então, com sua situação estabilizada, começaram os questionamentos. Por que isso havia acontecido justamente comigo? Eu, que sempre tinha sido um homem bom, que não sentia nenhum prazer em fazer mal aos outros!Sentia um misto de ressentimento e frustração contra a Existência, que, segundo meu modo de ver, havia me preparado uma cilada. Entrei em depressão profunda: junto ao sentimento de que nada tinha valor na vida, experimentava a sensação de impotência e incapacidade. Parecia não ser capaz de fazer nada certo.Alguns meses depois, viajei para os Estados Unidos em busca de algo que me tirasse daquela permanente angústia e participei de uma série de grupos terapêuticos residenciais.À medida que fazia as terapias, fui descobrindo pontos que me ajudaram a esclarecer o que estava vivendo. Lembro-me especialmente de uma sessão em que falei de minha dor por ter um filho com uma doença neurológica. A terapeuta disse que sentia muito, mas que essa era uma situação real, e o que eu tinha a fazer era aceitá-la e aprender a viver com ela. Mostrou-me que a terapia lida com o imaginário e que eu deveria ver se não existiria algo nesse aspecto para trabalhar.Percebi então minha dificuldade de aceitar um filho naquelas condições. Na evolução da sessão, tomei consciência de que, mais ainda, eu não sabia aceitar as pessoas como elas são.Dias depois soprava um vento muito forte. Eu caminhava em sentido contrário ao dele, procurando avançar, e não conseguia. Tentei várias vezes. Subitamente constatei que era exatamente isso que fazia em relação ao meu filho. Lutava contra a situação, estava magoado por algo que não saíra como havia planejado. Percebi que, assim como o vento, a vida não soprava naquela direção por estar contra mim. Simplesmente existiam fatores na natureza que a levaram a tomar determinada direção naquele dado momento.As coisas desagradáveis não aconteciam contra mim, aconteciam comigo, e eu não iria resolver a situação lutando contra elas. A doença de meu filho não era conseqüência de um ato errado que eu tivesse cometido nem se tratava de uma punição. Era somente uma situação que me estimulava a crescer.Era o momento de aceitar que ele, como todos os filhos, possuía características próprias. O seu jeito peculiar de ser não tinha como finalidade me fazer sofrer — era, simplesmente, seu jeito de existir.A partir daí fiz tudo para começar a conhecê-lo em vez de querer mudá-lo. Até hoje, com 27 anos, ele faz uma série de atividades pedagógicas especiais e, em certos momentos, sinto o desejo de que as coisas fossem diferentes, mas logo depois voltamos a nos entender.Nós, pais, temos de aprender a aceitar nossos filhos e seus caminhos. Se quisermos, sempre encontraremos algo em nossos filhos que nos deixará insatisfeitos. Não tenho dúvida de que, dando-me esse filho, a Existência encontrou uma maneira de me transmitir ensinamentos profundos sobre a vida.Ao vê-lo tão feliz no seu jeito de ser...Aprendo a ver a beleza do simples.Aprendo a me comunicar sem palavras.Aprendo a valorizar o pequeno:cada pequeno gesto,cada pequena evolução.Pequenos caminhos.Aprendo a olhar meus sentimentos,mesmo aqueles menos admiráveis,e a considerá-los parte de mim.Especialmente, aprendo a aceitar que não sou tão grande como imagino e gostaria de ser e que devo ser paciente para aceitar minhas limitações.
Roberto Shinyashiki é psiquiatra, palestrante e autor de 13 títulos, entre eles: Os Segredos dos Campeões, Tudo ou Nada, Heróis de Verdade, Amar Pode Dar Certo, O Sucesso é Ser Feliz e A Carícia Essencial (www.clubedoscampeoes.com.br)
Quando meu filho mais velho nasceu, era uma criança linda, meiga e doce. À medida que os dias foram passando, porém, notou-se que seu desenvolvimento não era igual ao das outras crianças, apesar de o médico me garantir o contrário.Um dia, recebi um telefonema avisando que o pediatra tinha solicitado uma avaliação neurológica do menino, porque havia sido constatado um atraso no seu desenvolvimento. O diagnóstico neurológico foi atraso médio neuropsicomuscular.Essa notícia me atingiu como um soco no peito e me chamou à realidade.Começou, então, a via-crúcis: fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, hidroterapia — era preciso recuperar o atraso no desenvolvimento.Ao mesmo tempo, ele foi submetido a uma série de consultas a diferentes especialistas na tentativa de diagnosticar a causa do problema. A princípio, as hipóteses eram muitas, tantas quantas os pais (eu e a mãe somos médicos) conseguiam formular. Embora fôssemos muito unidos, não conversávamos sobre nossas angústias. Penso que o fato de termos sido treinados para agüentar firme e lutar sempre para realizar nossos objetivos tenha feito com que, naquele momento, considerássemos secundários os nossos sentimentos.Teria sido muito melhor se tivéssemos compartilhado nossas angústias e medos, demonstrado quanto nos sentíamos frágeis e assustados, apesar de nossa capacidade de lutar com bravura.Infelizmente, os tratamentos não produziram os resultados desejados, e o sentimento de impotência foi tomando conta de nós. Por fim, uma tomografia fechou o diagnóstico: sua doença era causada por uma série de calcificações no cérebro, conseqüência de uma virose durante a gestação.Vários médicos nos disseram: “Infelizmente, ele não chegará até 1 ano de idade”. Até hoje não encontro palavras para descrever a dor que sentíamos naqueles primeiros meses cada vez que olhávamos nosso menino e pensávamos que em breve não o teríamos mais conosco.Não queríamos que ele morresse no prazo previsto pelos médicos. Redobramos, então, nossos esforços recorrendo a homeopatia, a massagens e a energização — tudo o que se possa imaginar. Ele foi ficando mais forte. Aos poucos aumentava a certeza de que ele iria viver pelo menos alguns anos a mais do que fora previsto.Então, com sua situação estabilizada, começaram os questionamentos. Por que isso havia acontecido justamente comigo? Eu, que sempre tinha sido um homem bom, que não sentia nenhum prazer em fazer mal aos outros!Sentia um misto de ressentimento e frustração contra a Existência, que, segundo meu modo de ver, havia me preparado uma cilada. Entrei em depressão profunda: junto ao sentimento de que nada tinha valor na vida, experimentava a sensação de impotência e incapacidade. Parecia não ser capaz de fazer nada certo.Alguns meses depois, viajei para os Estados Unidos em busca de algo que me tirasse daquela permanente angústia e participei de uma série de grupos terapêuticos residenciais.À medida que fazia as terapias, fui descobrindo pontos que me ajudaram a esclarecer o que estava vivendo. Lembro-me especialmente de uma sessão em que falei de minha dor por ter um filho com uma doença neurológica. A terapeuta disse que sentia muito, mas que essa era uma situação real, e o que eu tinha a fazer era aceitá-la e aprender a viver com ela. Mostrou-me que a terapia lida com o imaginário e que eu deveria ver se não existiria algo nesse aspecto para trabalhar.Percebi então minha dificuldade de aceitar um filho naquelas condições. Na evolução da sessão, tomei consciência de que, mais ainda, eu não sabia aceitar as pessoas como elas são.Dias depois soprava um vento muito forte. Eu caminhava em sentido contrário ao dele, procurando avançar, e não conseguia. Tentei várias vezes. Subitamente constatei que era exatamente isso que fazia em relação ao meu filho. Lutava contra a situação, estava magoado por algo que não saíra como havia planejado. Percebi que, assim como o vento, a vida não soprava naquela direção por estar contra mim. Simplesmente existiam fatores na natureza que a levaram a tomar determinada direção naquele dado momento.As coisas desagradáveis não aconteciam contra mim, aconteciam comigo, e eu não iria resolver a situação lutando contra elas. A doença de meu filho não era conseqüência de um ato errado que eu tivesse cometido nem se tratava de uma punição. Era somente uma situação que me estimulava a crescer.Era o momento de aceitar que ele, como todos os filhos, possuía características próprias. O seu jeito peculiar de ser não tinha como finalidade me fazer sofrer — era, simplesmente, seu jeito de existir.A partir daí fiz tudo para começar a conhecê-lo em vez de querer mudá-lo. Até hoje, com 27 anos, ele faz uma série de atividades pedagógicas especiais e, em certos momentos, sinto o desejo de que as coisas fossem diferentes, mas logo depois voltamos a nos entender.Nós, pais, temos de aprender a aceitar nossos filhos e seus caminhos. Se quisermos, sempre encontraremos algo em nossos filhos que nos deixará insatisfeitos. Não tenho dúvida de que, dando-me esse filho, a Existência encontrou uma maneira de me transmitir ensinamentos profundos sobre a vida.Ao vê-lo tão feliz no seu jeito de ser...Aprendo a ver a beleza do simples.Aprendo a me comunicar sem palavras.Aprendo a valorizar o pequeno:cada pequeno gesto,cada pequena evolução.Pequenos caminhos.Aprendo a olhar meus sentimentos,mesmo aqueles menos admiráveis,e a considerá-los parte de mim.Especialmente, aprendo a aceitar que não sou tão grande como imagino e gostaria de ser e que devo ser paciente para aceitar minhas limitações.
Roberto Shinyashiki é psiquiatra, palestrante e autor de 13 títulos, entre eles: Os Segredos dos Campeões, Tudo ou Nada, Heróis de Verdade, Amar Pode Dar Certo, O Sucesso é Ser Feliz e A Carícia Essencial (www.clubedoscampeoes.com.br)
Clarice Lispector-Sonhe com aquilo que quiser
Seja o que você quer ser,
porque você possui apenas uma vida
e nela só se tem uma chance
de fazer aquilo que quer.
Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.
Dificuldades para fazê-la forte.
Tristeza para fazê-la humana
E esperança suficiente para fazê-la feliz.
As pessoas mais felizes não têm as melhores coisas.
Elas sabem fazer o melhor das oportunidades que aparecem em seus caminhos.
A felicidade aparece para aqueles que choram.
Para aqueles que se machucam.
Para aqueles que buscam e tentam sempre.
E para aqueles que reconhecem
a importância das pessoas que passam por suas vidas.
Enviada por Ioneda de Morais-São Paulo
porque você possui apenas uma vida
e nela só se tem uma chance
de fazer aquilo que quer.
Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.
Dificuldades para fazê-la forte.
Tristeza para fazê-la humana
E esperança suficiente para fazê-la feliz.
As pessoas mais felizes não têm as melhores coisas.
Elas sabem fazer o melhor das oportunidades que aparecem em seus caminhos.
A felicidade aparece para aqueles que choram.
Para aqueles que se machucam.
Para aqueles que buscam e tentam sempre.
E para aqueles que reconhecem
a importância das pessoas que passam por suas vidas.
Enviada por Ioneda de Morais-São Paulo
Rui Barbosa-Política e politicalha
A política afina o espírito humano, educa os povos, desenvolve nos indivíduos a atividade, a coragem, a nobreza, a previsão, a energia, cria, apura, eleva o merecimento.
Não é esse jogo da intriga, da inveja e da incapacidade, entre nós se deu a alcunha de politicagem. Esta palavra não traduz ainda todo o desprezo do objeto significado. Não há dúvida de que rima bem com criadagem e parolagem, afilhadagem e ladroagem. Mas não tem o mesmo vigor de expressão que os seus consoantes. Quem lhe dará o batismo adequado? Politiquice? Politiquismo? Politicaria? Politicalha? Neste último, sim, o sufixo pejorativo queima como ferrete, e desperta ao ouvido uma consonância elucidativa.
Política e politicalha não se confundem, não se parecem, não se relacionam uma com a outra. Antes se negam, se excluem, se repulsam mutuamente.A política é a arte de gerir o Estado, segundo princípios definidos, regras morais, leis escritas, ou tradições respeitáveis.
A politicalha é a indústria de explorar o benefício de interesses pessoais. Constitui a política uma função, ou um conjunto de funções do organismo nacional: é o exercício normal das forças de uma nação consciente e senhora de si. A politicalha, pelo contrário, é o envenenamento crônico dos povos negligentes e viciosos pela contaminação de parasitas inexoráveis. A política é a higiene dos países moralmente sadios. A politicalha, a malária dos povos de moralidade estragada.
Rui Barbosa.
Trechos escolhidos de Rui Barbosa.Edições de Ouro: Rio de Janeiro, 1964.
Não é esse jogo da intriga, da inveja e da incapacidade, entre nós se deu a alcunha de politicagem. Esta palavra não traduz ainda todo o desprezo do objeto significado. Não há dúvida de que rima bem com criadagem e parolagem, afilhadagem e ladroagem. Mas não tem o mesmo vigor de expressão que os seus consoantes. Quem lhe dará o batismo adequado? Politiquice? Politiquismo? Politicaria? Politicalha? Neste último, sim, o sufixo pejorativo queima como ferrete, e desperta ao ouvido uma consonância elucidativa.
Política e politicalha não se confundem, não se parecem, não se relacionam uma com a outra. Antes se negam, se excluem, se repulsam mutuamente.A política é a arte de gerir o Estado, segundo princípios definidos, regras morais, leis escritas, ou tradições respeitáveis.
A politicalha é a indústria de explorar o benefício de interesses pessoais. Constitui a política uma função, ou um conjunto de funções do organismo nacional: é o exercício normal das forças de uma nação consciente e senhora de si. A politicalha, pelo contrário, é o envenenamento crônico dos povos negligentes e viciosos pela contaminação de parasitas inexoráveis. A política é a higiene dos países moralmente sadios. A politicalha, a malária dos povos de moralidade estragada.
Rui Barbosa.
Trechos escolhidos de Rui Barbosa.Edições de Ouro: Rio de Janeiro, 1964.
Cecília Meireles - Encomenda
Desejo uma fotografia
como esta – o senhor vê? – como esta:
em que para sempre me ria
com um vestido de eterna festa.
Como tenho a testa sombria,
derrame luz na minha testa.
Deixe esta ruga, que me empresta
um certo ar de sabedoria.
Não meta fundos de floresta
nem de arbitrária fantasia...
Não... Neste espaço que ainda resta,
ponha uma cadeira vazia.
como esta – o senhor vê? – como esta:
em que para sempre me ria
com um vestido de eterna festa.
Como tenho a testa sombria,
derrame luz na minha testa.
Deixe esta ruga, que me empresta
um certo ar de sabedoria.
Não meta fundos de floresta
nem de arbitrária fantasia...
Não... Neste espaço que ainda resta,
ponha uma cadeira vazia.
Cecília Meireles - Canção
Não te fies do tempo nem da eternidade
que as nuvens me puxam pelos vestidos,
que os ventos me arrastam contra meu desejo!
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã eu morro e não te vejo!
Não demores tão longe, em lugar tão secreto,
nácar de silêncio que o mar comprime,
ó lábio, limite do instante absoluto!
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã eu morro e não te escuto!
Aparece-me agora, que ainda reconheço
a anêmona aberta na tua face
e em redor dos muros o vento inimigo...
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã eu morro e não te digo...
que as nuvens me puxam pelos vestidos,
que os ventos me arrastam contra meu desejo!
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã eu morro e não te vejo!
Não demores tão longe, em lugar tão secreto,
nácar de silêncio que o mar comprime,
ó lábio, limite do instante absoluto!
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã eu morro e não te escuto!
Aparece-me agora, que ainda reconheço
a anêmona aberta na tua face
e em redor dos muros o vento inimigo...
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã eu morro e não te digo...
Cláudia Arruda - Cego Sentimento
Não posso impedir
que ele vasculhe o mundo
como a uma gaveta.
Ele vai tatear a noite
e eu não vou ver
só vou pensar
na noite em que me toca
e imaginar
que sou só eu.
que ele vasculhe o mundo
como a uma gaveta.
Ele vai tatear a noite
e eu não vou ver
só vou pensar
na noite em que me toca
e imaginar
que sou só eu.
Mário de Andrade - Quarenta Anos
A vida é para mim, está se vendo,
Uma felicidade sem repouso;
Eu em sei mais se gozo, pois que o gozo
Só pode ser medido em se sofrendo.
Bem sei que tudo é engano, mas sabendo
Disso, persisto em me enganar...Eu ouso
Dizer que a vida foi o bem precioso
Que eu adorei. Foi meu pecado...Horrendo
Seria, agora que a velhice avança,
Que me sinto completo e além da sorte,
Me agarrar a esta vida fementida.
Vou fazer do meu fim minha esperança,
Oh sono, vem! Que eu quero amar a morte
Com o mesmo engano com que amei a vida.
Uma felicidade sem repouso;
Eu em sei mais se gozo, pois que o gozo
Só pode ser medido em se sofrendo.
Bem sei que tudo é engano, mas sabendo
Disso, persisto em me enganar...Eu ouso
Dizer que a vida foi o bem precioso
Que eu adorei. Foi meu pecado...Horrendo
Seria, agora que a velhice avança,
Que me sinto completo e além da sorte,
Me agarrar a esta vida fementida.
Vou fazer do meu fim minha esperança,
Oh sono, vem! Que eu quero amar a morte
Com o mesmo engano com que amei a vida.
Álvaro de Campos - Trecho de um poema
Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada –
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...
***
Nada me prende a nada.
Quero cinquenta coisas ao mesmo tempo.
Anseio com uma angústia de fome de carne
O que não sei que seja –
Definidamente pelo indefinido...
Durmo irriquieto, e vivo num sonhar irriquieto
De quem dorme irriquieto, metade a sonhar.
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada –
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...
***
Nada me prende a nada.
Quero cinquenta coisas ao mesmo tempo.
Anseio com uma angústia de fome de carne
O que não sei que seja –
Definidamente pelo indefinido...
Durmo irriquieto, e vivo num sonhar irriquieto
De quem dorme irriquieto, metade a sonhar.
Oração de São Francisco
Senhor, fazei-me instrumento de vossa paz.
Onde houver ódio, que eu leve o amor.
Onde houver ofensa, que eu leve o perdão.
Onde houver discórdia, que eu leve a união,
Onde houver dúvida, que eu leve a fé.
Onde houver erros, que leve a verdade.
Onde houver desespero, que eu leve a esperança.
Onde houver tristeza, que eu leve alegria.
Onde houver trevas, que eu leve a luz.
Ó Mestre, fazei que eu procure mais consolar, que ser consolado. Compreender, que ser compreendido. Amar, que ser amado.
Pois é dando que se recebe.
É perdoando que se é perdoado.
E é morrendo que se vive para a vida eterna.
Onde houver ódio, que eu leve o amor.
Onde houver ofensa, que eu leve o perdão.
Onde houver discórdia, que eu leve a união,
Onde houver dúvida, que eu leve a fé.
Onde houver erros, que leve a verdade.
Onde houver desespero, que eu leve a esperança.
Onde houver tristeza, que eu leve alegria.
Onde houver trevas, que eu leve a luz.
Ó Mestre, fazei que eu procure mais consolar, que ser consolado. Compreender, que ser compreendido. Amar, que ser amado.
Pois é dando que se recebe.
É perdoando que se é perdoado.
E é morrendo que se vive para a vida eterna.
Cecília Meireles - Motivo
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
Não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
-não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
-mais nada.
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
Não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
-não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
-mais nada.
Cecília Meireles - Entusiasmo
Por uns caminhos extravagantes,
irei ao encontro desses amores
-por que suspiro – distantes.
Rejeito os vossos, que são de flores.
Eu quero as vagas, quero os espinhos
e as tempestades, senhores.
Sou de ciganos e de adivinhos.
Não me conformo com os circunstantes
e a cor dos vossos caminhos.
Ide com os zoilos e os sicofantes.
Mas respeitai vossos adversários
que não querem ser triunfantes.
Vou com sonâmbulos e corsários,
poetas, astrólogos e a torrente
dos mendigos perdulários.
E cantamos fantasticamente,
pelos caminhos extravagantes,
para Deus, nosso parente.
irei ao encontro desses amores
-por que suspiro – distantes.
Rejeito os vossos, que são de flores.
Eu quero as vagas, quero os espinhos
e as tempestades, senhores.
Sou de ciganos e de adivinhos.
Não me conformo com os circunstantes
e a cor dos vossos caminhos.
Ide com os zoilos e os sicofantes.
Mas respeitai vossos adversários
que não querem ser triunfantes.
Vou com sonâmbulos e corsários,
poetas, astrólogos e a torrente
dos mendigos perdulários.
E cantamos fantasticamente,
pelos caminhos extravagantes,
para Deus, nosso parente.
Fernando Pessoa - Autopsicografia
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
na dor lida sentem bem,
Não nas duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
na dor lida sentem bem,
Não nas duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.
Olavo Bilac - Via Láctea
“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!”E vos direi, no entanto,
Que, para ouví-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite, enquanto
A Via Láctea como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora:”Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”
E eu vos direi:”Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e entender estrelas.”
Perdeste o senso!”E vos direi, no entanto,
Que, para ouví-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite, enquanto
A Via Láctea como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora:”Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”
E eu vos direi:”Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e entender estrelas.”
Luís de Camões - Soneto 11
Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;
É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É um não contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;
É um estar-se preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É um ter com quem nos mata lealdade.
Mas como causar pode o seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;
É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É um não contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;
É um estar-se preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É um ter com quem nos mata lealdade.
Mas como causar pode o seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Vinícius de Moraes - Soneto da Fidelidade
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Pablo Neruda - SABERÁS que não te amo e que te amo ...
Saberás que não te amo e que te amo
Posto que de dois modos é a vida,
A palavra é uma asa do silêncio,
O fogo tem uma metade de frio.
Eu te amo para começar a amar-te,
Para recomeçar o infinito
E para não deixar de amar-te nunca;
Por isso não te amo todavia.
Te amo e não te amo como se tivesse
Em minhas mãos as chaves da fortuna
E um incerto destino desditoso.
Meu amor tem duas vidas para amar-te.
Por isso te amo quando não te amo
E por isso te amo quando te amo.
Pablo Neruda
Posto que de dois modos é a vida,
A palavra é uma asa do silêncio,
O fogo tem uma metade de frio.
Eu te amo para começar a amar-te,
Para recomeçar o infinito
E para não deixar de amar-te nunca;
Por isso não te amo todavia.
Te amo e não te amo como se tivesse
Em minhas mãos as chaves da fortuna
E um incerto destino desditoso.
Meu amor tem duas vidas para amar-te.
Por isso te amo quando não te amo
E por isso te amo quando te amo.
Pablo Neruda
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