Nós, pais, temos de aprender a aceitar nossos filhos e seus caminhos
Quando meu filho mais velho nasceu, era uma criança linda, meiga e doce. À medida que os dias foram passando, porém, notou-se que seu desenvolvimento não era igual ao das outras crianças, apesar de o médico me garantir o contrário.Um dia, recebi um telefonema avisando que o pediatra tinha solicitado uma avaliação neurológica do menino, porque havia sido constatado um atraso no seu desenvolvimento. O diagnóstico neurológico foi atraso médio neuropsicomuscular.Essa notícia me atingiu como um soco no peito e me chamou à realidade.Começou, então, a via-crúcis: fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, hidroterapia — era preciso recuperar o atraso no desenvolvimento.Ao mesmo tempo, ele foi submetido a uma série de consultas a diferentes especialistas na tentativa de diagnosticar a causa do problema. A princípio, as hipóteses eram muitas, tantas quantas os pais (eu e a mãe somos médicos) conseguiam formular. Embora fôssemos muito unidos, não conversávamos sobre nossas angústias. Penso que o fato de termos sido treinados para agüentar firme e lutar sempre para realizar nossos objetivos tenha feito com que, naquele momento, considerássemos secundários os nossos sentimentos.Teria sido muito melhor se tivéssemos compartilhado nossas angústias e medos, demonstrado quanto nos sentíamos frágeis e assustados, apesar de nossa capacidade de lutar com bravura.Infelizmente, os tratamentos não produziram os resultados desejados, e o sentimento de impotência foi tomando conta de nós. Por fim, uma tomografia fechou o diagnóstico: sua doença era causada por uma série de calcificações no cérebro, conseqüência de uma virose durante a gestação.Vários médicos nos disseram: “Infelizmente, ele não chegará até 1 ano de idade”. Até hoje não encontro palavras para descrever a dor que sentíamos naqueles primeiros meses cada vez que olhávamos nosso menino e pensávamos que em breve não o teríamos mais conosco.Não queríamos que ele morresse no prazo previsto pelos médicos. Redobramos, então, nossos esforços recorrendo a homeopatia, a massagens e a energização — tudo o que se possa imaginar. Ele foi ficando mais forte. Aos poucos aumentava a certeza de que ele iria viver pelo menos alguns anos a mais do que fora previsto.Então, com sua situação estabilizada, começaram os questionamentos. Por que isso havia acontecido justamente comigo? Eu, que sempre tinha sido um homem bom, que não sentia nenhum prazer em fazer mal aos outros!Sentia um misto de ressentimento e frustração contra a Existência, que, segundo meu modo de ver, havia me preparado uma cilada. Entrei em depressão profunda: junto ao sentimento de que nada tinha valor na vida, experimentava a sensação de impotência e incapacidade. Parecia não ser capaz de fazer nada certo.Alguns meses depois, viajei para os Estados Unidos em busca de algo que me tirasse daquela permanente angústia e participei de uma série de grupos terapêuticos residenciais.À medida que fazia as terapias, fui descobrindo pontos que me ajudaram a esclarecer o que estava vivendo. Lembro-me especialmente de uma sessão em que falei de minha dor por ter um filho com uma doença neurológica. A terapeuta disse que sentia muito, mas que essa era uma situação real, e o que eu tinha a fazer era aceitá-la e aprender a viver com ela. Mostrou-me que a terapia lida com o imaginário e que eu deveria ver se não existiria algo nesse aspecto para trabalhar.Percebi então minha dificuldade de aceitar um filho naquelas condições. Na evolução da sessão, tomei consciência de que, mais ainda, eu não sabia aceitar as pessoas como elas são.Dias depois soprava um vento muito forte. Eu caminhava em sentido contrário ao dele, procurando avançar, e não conseguia. Tentei várias vezes. Subitamente constatei que era exatamente isso que fazia em relação ao meu filho. Lutava contra a situação, estava magoado por algo que não saíra como havia planejado. Percebi que, assim como o vento, a vida não soprava naquela direção por estar contra mim. Simplesmente existiam fatores na natureza que a levaram a tomar determinada direção naquele dado momento.As coisas desagradáveis não aconteciam contra mim, aconteciam comigo, e eu não iria resolver a situação lutando contra elas. A doença de meu filho não era conseqüência de um ato errado que eu tivesse cometido nem se tratava de uma punição. Era somente uma situação que me estimulava a crescer.Era o momento de aceitar que ele, como todos os filhos, possuía características próprias. O seu jeito peculiar de ser não tinha como finalidade me fazer sofrer — era, simplesmente, seu jeito de existir.A partir daí fiz tudo para começar a conhecê-lo em vez de querer mudá-lo. Até hoje, com 27 anos, ele faz uma série de atividades pedagógicas especiais e, em certos momentos, sinto o desejo de que as coisas fossem diferentes, mas logo depois voltamos a nos entender.Nós, pais, temos de aprender a aceitar nossos filhos e seus caminhos. Se quisermos, sempre encontraremos algo em nossos filhos que nos deixará insatisfeitos. Não tenho dúvida de que, dando-me esse filho, a Existência encontrou uma maneira de me transmitir ensinamentos profundos sobre a vida.Ao vê-lo tão feliz no seu jeito de ser...Aprendo a ver a beleza do simples.Aprendo a me comunicar sem palavras.Aprendo a valorizar o pequeno:cada pequeno gesto,cada pequena evolução.Pequenos caminhos.Aprendo a olhar meus sentimentos,mesmo aqueles menos admiráveis,e a considerá-los parte de mim.Especialmente, aprendo a aceitar que não sou tão grande como imagino e gostaria de ser e que devo ser paciente para aceitar minhas limitações.
Roberto Shinyashiki é psiquiatra, palestrante e autor de 13 títulos, entre eles: Os Segredos dos Campeões, Tudo ou Nada, Heróis de Verdade, Amar Pode Dar Certo, O Sucesso é Ser Feliz e A Carícia Essencial (www.clubedoscampeoes.com.br)
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